História do Vinho e da Vinha
- lusitaniasapores
- 11 de jan. de 2016
- 8 min de leitura

Na história do vinho e da vinha em Portugal, é impossível dissociar da restante história do vinho na Bacia Mediterrânica, pelo que apresentarei os factos mais relevantes deste percurso em seguida.
O vinho e sua expansão pela Bacia Mediterrânica:
Os cristãos acreditam que foi Noé quem plantou um vinhedo e com ele produziu o primeiro vinho do mundo.
Os gregos consideraram a bebida uma dádiva dos deuses. Hititas, babilônicas, sumérias, as histórias foram adaptadas de acordo com a tradição e crença do povo sob perspectiva.
Do ponto de vista histórico, sua origem precisa é impossível determinar, pois o vinho nasceu antes da escrita. Refere-se que a bebida surgiu por acaso, talvez por uvas amassadas esquecidas num recipiente, que sofreram os efeitos da fermentação. Mas o cultivo das videiras para obtenção de vinho só foi possível quando as populações se fixaram (tornaram-se sedentários).
Existem referências que indicam que a zona do Cáucaso (Geórgia) foi o local onde provavelmente se produziu vinho pela primeira vez, sendo que foram encontradas neste local grainhas datadas entre 7000 a.c. e 5000 a.C., as mais antigas encontradas até aos dias de hoje.
Os Egípcios foram os primeiros a registrar em pinturas e documentos (datados de 1000 a 3000 a.C.) o processo da vinificação e o uso da bebida em celebrações, assim se consideram os mesmos como os primeiros enólogos da história. Utilizavam este “néctar” para celebrações religiosas, festas, etc. mas sempre por classes mais ricas e abastadas.
Na Grécia o vinho era cultural e economicamente vital para o desenvolvimento do país, tanto que no mundo mitológico, Dionísio, filho de Zeus, era o deus das belas artes, do teatro e do vinho. A bebida tornou-se mais cultivada e cultuada do que jamais fora no Egito, sendo apreciada por todas as classes.
A partir de 1000 a.C., os Gregos começam a plantar videiras em outras regiões europeias. A bebida embriagou a Itália, seguindo a Península Ibérica. Os Gregos fundaram Marselha, um importante entreposto comercial, assim o vinho entrou para a vida dos nativos, sendo este o primeiro contato entre a bebida e a futura França, onde hoje temos uma forte cultura vinífica.
O vinho da Antiguidade "era ingerido com água do mar e reduzido a um xarope tão espesso e turvo que tinha que ser coado num pano e dissolvido em água quente", afirma o historiador inglês e enólogo Hugh Johnson, autor do livro A História do Vinho' (CMS Editora)'.
Roma, inicialmente uma vila de pastores e agricultores (fundada em 753 a.c.) já com cultura e consumo deste produto (vinho), foi muito importante para difusão do vinho e da vinha para a restante bacia mediterrânica (futuro Império Romano), pois com o crescimento do Império, a partir do século VI a.c., os soldados na sua conquistas levavam o vinho como uma “demarcação de território”, impondo assim os seus costumes e cultura nas áreas que conquistavam. Dessa forma, o vinho terminou virando a bebida dos legionários, dos gladiadores, das tabernas enfurnadas de soldados.
Sob o comando do imperador Júlio César, enfrentaram os gauleses e, seguindo pelo vale do Rhône, chegaram até Bordeaux/França. A disseminação das videiras pelas outras províncias gaulesas foi imediata, e pode ser considerada um dos mais importantes fatos na história do vinho, pois nos dias de hoje estas são importantes áreas de produção de vinho.
Naquela época o vinho preferido era o vinho doce, que se obtinha pela colheita tardia das uvas, ou então colhendo-as imaturas e deixavam-nas secar no sol para concentrar o açúcar. Os Romanos armazenavam este produto em barris de madeira, o que aprimorava o sabor e textura do vinho (método ainda feito pelos Portugueses e Italianos nos atuais tempos). Ao contrário, os Gregos armazenavam em ânforas, o que mantinha as características do vinho inalteradas sem que o mesmo “envelhece-se” e aprimora-se sua textura e sabor.
A cultura Romana na Península Ibérica, contribuiu para a modernização da cultura da vinha, com a introdução de novas variedades e com o aperfeiçoamento de certas técnicas de cultivo, designadamente a poda.
Nesta época, a cultura da vinha teve um desenvolvimento considerável, dada a necessidade de se enviar frequentemente vinho para Roma, onde o consumo aumentava e a produção própria não satisfazia a procura.
Após o declínio do império Romano, em que províncias se transformaram em pequenos reinos que mal se relacionavam, o que provocou uma grande instabilidade económica, a produção do vinho também retrocedeu. Assim os produtores, sem dinheiro, já não envelheciam os vinhos em boa madeira (barris), o que aumentava a oxidação do vinho e consequentemente este tinha de ser consumido de imediato para não “avinagrar” (estragar).
A vinicultura voltaria a ganhar ênfase com o surgimento da Igreja Católica, quando esta foi considerada detentora da verdade e da sabedoria (séc. IV, quando o imperador Constantino converteu-se ao Cristianismo). Com todo o simbolismo do vinho na liturgia católica (Sangue de Cristo) a Igreja começou a se estabelecer como proprietária de extensos vinhedos nos mosteiros das principais ordens religiosas da Europa. Os mosteiros eram recantos de paz, em que o vinho era produzido para a eucaristia, mas, com a melhoria das receitas, foram surgindo outros vinhos além do tinto, como brancos, roses e espumantes.
O vinho em Portugal:
A primeira referência à produção vinícola em Portugal é de 989, provindo do Livro de “Datas do Convento de Fiães”.
A história do vinho em Portugal vai para além da fundação da nacionalidade, pois a primeira vinha plantada na Península Ibérica (no vale do Tejo e no vale do Sado) cerca de 2000 ac, pelos Tartessos*(1)
O vinho em Portugal como País (fundação da nacionalidade 1143) manteve a sua importância enquanto produto base na alimentação diária e enquanto símbolo da cultura de um povo, sendo logo nesse tempo o produto mais exportado por Portugal. Assim continuou até à altura dos descobrimentos, pois as caravelas levavam sempre vinho, levando desta forma o vinho a locais distantes. A vinha e o vinho foram introduzidos em diversos sítios do mundo através do Império Português. No período áureo que se seguiu aos Descobrimentos, os vinhos portugueses eram lastro nas naus e caravelas que traziam produtos vindos do Brasil e do Oriente.
E importante referir os vinhos de "Roda" ou de "Torna Viagem". Ao considerar o tempo que estas viagens tinham (cerca de 6 meses), e o fato dos vinhos estarem em barricas de madeira nos porões das galés, sacudidas pelo balancear das ondas, ou expostas ao sol, ou por vezes até submersos na água salgada do fundo dos navio... verificou-se que o vinho envelhecia e melhorava bastante a sua qualidade, devido ao calor dos porões ao passarem, pelo menos duas vezes, o Equador. Tornando-os assim ímpares, preciosos e, como tal, vendidos a preços verdadeiramente fabulosos. O vinho de "roda" ou de "torna viagem" amadureceu o conhecimento empírico de envelhecimento, cujas técnicas científicas se viriam a desenvolver posteriormente.
Um momento que não posso deixar de referir, pela importância no desenvolvimento do comércio e produção de vinho em Portugal, foi a assinatura do Tratado de Methuen em 1703. Este tratado assinado entre Portugal e Inglaterra facilitou o comércio do vinho nesse país (Inglaterra). Fruto deste aprofundamento comercial, em 1756 o Vinho do Porto já era tão famoso e importante no comércio entre os dois países, que foi criada a primeira região demarcada do mundo, a região Alto Douro.
No século XVIII, a grande personalidade do Marques de Pombal influenciou e beneficiou o desenvolvimento da vitivinicultura em Portugal, pois este criou uma série de medidas protecionistas para a região do Alto Douro e o afamado Vinho do Porto. Em consequência da fama que este vinho tinha adquirido, verificou-se um aumento da sua procura por parte de outros países da Europa, para além da Inglaterra, importador tradicional. As altas cotações que o Vinho do Porto atingiu fizeram com que os produtores se preocupassem mais com a quantidade do que com a qualidade dos vinhos exportados, o que esteve na origem de uma grave crise. Para pôr fim a esta crise, o Marquês de Pombal criou, por alvará régio de 10 de Setembro de 1756, a Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, com o fim de disciplinar a produção e o comércio dos vinhos da região, prevendo ainda a necessidade de se fazer, urgentemente, a demarcação da região, o que veio a concretizar-se. Assim, segundo alguns investigadores, foi esta a primeira região demarcada oficialmente no mundo vitivinícola.
O século XIX foi um período negro para a vitivinicultura. A praga da filoxera, que apareceu inicialmente na região do Douro em 1865, rapidamente se espalhou por todo o país, devastando a maior parte das regiões vinícolas. Colares foi a única exceção, porque a filoxera não se desenvolve nos terrenos de areia, onde as suas vinhas se cultivam, ainda hoje. O início do século XX, foi marcado pela Exposição Universal de Paris, emblematicamente inaugurada em 1900. Portugal participou ativamente neste evento, dedicando especial atenção à secção de Agricultura, por todos considerada o sector mais importante da nossa representação.
Em 1907/1908, iniciou-se o processo de regulamentação oficial de várias outras denominações de origem portuguesas. Para além da região produtora de Vinho do Porto e dos vinhos de mesa Douro, demarcavam-se as regiões de produção de alguns vinhos, já então famosos, como são o caso dos vinhos da Madeira, Moscatel de Setúbal, Carcavelos.
Com objetivos de gestão das Denominações de Origem e dos Vinhos Regionais, de aplicação, vigilância e cumprimento da respectiva regulamentação, foram constituídas Comissões Vitivinícolas Regionais (associações interprofissionais regidas por estatutos próprios), que têm um papel fundamental na preservação da qualidade e do prestígio dos vinhos portugueses.
Atualmente estão reconhecidas e protegidas, na totalidade do território português, 33 Denominações de Origem e 8 Indicações Geográficas.
Algumas curiosidades históricas
Moscatel de Setúbal - (1381) Nesta data Portugal já exportava grande quantidade deste vinho para a Inglaterra.
Vinho do Porto - o Tratado de Methwen (1703) assinado entre Portugal e a Grã-Bretanha, contribuiu para a popularidade deste vinho que beneficiava de taxas aduaneiras preferenciais. Durante o século XVIII, para os ingleses, vinho era praticamente sinónimo de vinho do Porto.
Vinhos da Bairrada - No Reinado de D. Maria I (1734/1816) os vinhos portugueses adquiriram grande projeção, tendo-se iniciado a exportação de vinhos, com destaque para os desta região, que foram exportados para a América do Norte, França, Inglaterra e, em especial, para o Brasil, onde eram muito apreciados.
Vinho de Bucelas - Com as Invasões Francesas (1808/1810) este vinho começou a ser conhecido internacionalmente. Wellington apreciava-o de tal maneira que o levou de presente ao então príncipe regente, mais tarde Jorge III de Inglaterra. No tempo de Shakespeare (1564/1613) o vinho de Bucelas era conhecido por "Lisbon Hock" (vinho branco de Lisboa) (1564/1613).
Vinho de Carcavelos - (1808/1810) foi bem conhecido das tropas de Wellington que o levaram para Inglaterra, tendo sido, durante largos anos, exportado em grandes quantidades.
Vinho da Madeira - (1808/1810) Considerado um dos vinhos de maior requinte nas cortes europeias, tendo chegado mesmo a ser usado como perfume para os lenços das damas da corte. Na corte inglesa este vinho rivalizava com o vinho do Porto. Shakespeare (1564/1613) referiu-se ao vinho da Madeira como essência preciosa, na sua peça "Henrique IV”. Também a França, a Flandres e os Estados Unidos o importavam. Francisco I (1708/1765), orgulhava-se de o possuir e considerava-o "o mais rico e delicioso de todos os vinhos da Europa". As famílias importantes de Boston, Charleston, Nova Iorque e Filadélfia disputavam umas às outras os melhores vinhos da Madeira.
Vinho do Pico - Açores - (Séc. XVIII) foi largamente exportado para o Norte da Europa e até mesmo para a Rússia. Depois da revolução (1917), foram encontradas garrafas de vinho "Verdelho do Pico" armazenadas nas caves dos antigos czares.
-----------
*(1) Tartessos era o nome pelo qual os gregos conheciam a primeira civilização do Ocidente. Herdeira da cultura megalítica andaluza, que se desenvolveu no triângulo sul da península ibérica.
… … … …
Prezados amigos, terminando esta fase, de escrever sobre as fortes influências do Vinho, Azeite e Pão na cultura culinária Portuguesa, vou fazer pequenos roteiros de enoturismo no meu País, e vos recomendar melhores destinos, restaurantes, caves e locais importantes a não perder numa visita a Portugal. Vou associar a estes roteiros algumas receitas culinárias com dicas para poderem deliciar os Vossos convidados e assim difundir a cultura Portuguesa pelo Mundo.
Comments